Com que roupa, Noel?
Enviado por Professora Marlene Salgado de Oliveira 11/12/2010 18:11:17
Com que roupa, Noel?
Ontem. 11 de dezembro de 2010. Centenário de Noel Rosa. Poucas homenagens para um dos maiores compositores brasileiros, tanto letrista quanto músico. A sua admirável obra musical fincou a bandeira do bairro de Vila Isabel na terra do samba.Desde muito novo, mostrou gosto pela música e pela poesia, demonstrando uma especial veia humorística para falar do dia a dia da cidade, do amor, da realidade do cotidiano. Era um boêmio inveterado e o que ganhava era gasto em noitadas. Esta forma de viver, com certeza, acelerou o processo crônico pulmonar de que sofria. Noel morreu com apenas 26 anos de idade, vitimado pela tuberculose. O que faz uma vida desregrada!
Conta-se que sua mãe se preocupava muito com sua saúde. Sabendo, certa vez, que o filho fora convidado para uma festa, impediu-o de ir, escondendo todas as suas roupas. Quando seus amigos chegaram para apanhá-lo, Noel gritou, pela janela de seu quarto: “Com que roupa?”. Nasceu ali, naquela pergunta, o seu primeiro grande sucesso, gravado para o carnaval de 1931: Com que roupa? No entanto, há uma versão de que a letra da música foi escrita em 1930, por causa do momento político brasileiro. Nesta época, os partidos políticos, com a mesma rapidez que surgiam, sumiam, porque não tinham roupa para aparecer, ou seja, não apresentavam nenhuma proposta que os sustentasse, por isso, vinham sem roupa, completamente nus. Seja lá por que motivo for, valeu a pena.
Muitas de suas composições, inclusive ‘Feitiço da Vila’ e ‘Palpite Infeliz’, foram inspiradas numa polêmica com outro grande sambista – Wilson Batista. Noel revidava, um samba de Wilson Batista e Wilson Batista respondia ao revide de Noel. Era um verdadeiro pingue-pongue de sambas bonitos, inteligentes, bem humorados.
À época, as pessoas aguardavam, ansiosamente, a disputa dos dois sambistas. Era um divertimento instigante. Num determinado ponto do “bate-boca” de sambas, aconteceu que Noel Rosa compôs Feitiço da Vila, que, em uma das partes da letra, diz assim: A Vila tem um feitiço sem farofa / sem vela e sem vintém/ que nos faz bem/ tendo o nome de princesa transformou o samba / num feitiço decente que prende a gente. Wilson Batista, então, compõe “Conversa Fiada”, em resposta a Feitiço da Vila, dizendo que É conversa fiada / dizerem que os sambas / na Vila têm feitiço.
Ao ouvir ‘Conversa Fiada’, Noel, imediatamente responde com um dos seus mais famosos sambas cantados até hoje, Palpite Infeliz: Quem é você/ que não sabe o que diz/ meu Deus do céu/ que palpite infeliz/ Salve Estácio, Salgueiro e Mangueira/ Osvaldo Cruz e Matriz/ que sempre souberam muito bem/ que a Vila não quer abafar ninguém/ só quer mostrar que faz samba também.
Neste passo, aconteceu o que nunca deveria ter acontecido. Wilson Batista, irritado, em vez de admitir a superioridade do companheiro de samba, revidou da pior maneira. Compôs o samba denominado ‘Frankstein da Vila’, falando do defeito físico de Noel, que tinha um problema no queixo por conta do fórceps que o médico usou na hora do parto para salvá-lo e à mãe. O samba dizia assim: Boa impressão nunca se tem / quando se encontra um certo alguém / que até parece um Krankestein / mas como diz o refrão, por cara feia perde-se um bom coração. Noel não respondeu.
O certo é que Noel, o grande Noel, deixou em nós o gosto de saber que ‘fazer poema lá na Vila é um brinquedo’, que ‘ao som do samba dança até o arvoredo, e que ‘o samba faz a lua nascer mais cedo.’
A professora Marlene Salgado de Oliveira é mestre em Educação pela UFF, doutoranda em Educação pela UNED (Espanha) e membro de diversasorganizações nacionais e internacionais.
recadodaprofessora@jornalsg.com.br
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